numa de minhas fugas perdido num sebo local
entre vários outros vinis encontrei o réquiem do fauré
era uma tarde chuvosa sem nada
os escolares a me distrair pensando metafísica
o propósito inconsciente era ter como moer e preparar meu próprio café
e um vinil do johannes brahms
eu pronunciou exatamente assim johannes brahms em alemão
e tu debocha de mim
o que eu não gosto em ti pergunto

Sabemos que, no Maio de 68, Jean-Luc Godard confirmou uma suspeita que tinha: de que a sala de cinema era, em todos os sentidos da palavra, um “lugar errado”, ao mesmo tempo imoral e inadequado. Espaço de histeria fácil, da imunda paquera do olhar, do voyeurismo e dá magia. O lugar onde, para retomar uma metáfora que teve seu momento de glória, vínhamos “dormir no plano leito” para empanturrar ao máximo a vista e desse empanturramento ficar cego: ver muito e mal.

A grande suspeita colocada pelo Maio de 68 sobre a “sociedade do espetáculo”, uma sociedade que produz mais imagens e sons do que pode ver e digerir (a imagem se franja, foge, se esquiva), atinge a geração que mais havia investido nesse processo, a dos autodidatas cinéfilos, para quem a sala de cinema tomou o lugar, ao mesmo tempo, da escola e da família: a geração da Nouvelle Vague e daquela que a seguiu, formada por cinematecas. A partir de 1968, Godard irá se retirar e percorrer o mesmo caminho em sentido oposto: do cinema à escola (são os filmes do grupo Dziga Vertov), depois da escola para a família (Numéro deux). Repressão? E por que não diríamos também “regressismo”?
(…) Pedagogia gordiana. A escola, dizíamos, é o bom lugar, aquele onde fazemos progressos e de onde necessariamente saímos, agora que o cinema é o lugar errado, aquele onde reicidimos e de onde não conseguimos sair. Vamos observar mais de perto.
(…) Para o mestre, para os alunos, cada ano letivo trás com ele o simulacro da primeira vez (é a “volta as aulas”), um começar do zero. Um zero do não-saber, zero do quadro negro. É nisso em que a escola, o lugar do recomeçar e da lousa rapidamente apegada, território moroso da espera e da supressão, do transitório pela vida inteira, é o lugar do obsessivo.
(…) A escola como o bom lugar, porque nela é possível reter o maior número de pessoas pelo maior tempo possível. O lugar por excelência do desacordo, da diferença. Porque “reter”, isso quer dizer “guardar”, mas também “retardar”. Guardar um público de alunos para retardar o momento no qual eles se arriscaram a passar rápido demais de uma imagem a outra, de um som a outro, ver rápido demais, pronunciar-se prematuramente; pensar em ter terminado com o cinema quando eles estão longe de suspeitar a que ponto o agenciamento dessas imagens e desses sons é coisa complexa , grave, sem inocência. A escola permite voltar a cinéfilos contra ela mesma, virá-la do avesso como uma luva (trata-se, teremos entendido, de uma única e mesma luva) e esperar o tempo dessa transformação. Por isso a pedagogia gordiana consiste em não cessar de retornar às imagens e aos sons, nomeá-las, ultrapassá-las, comentá-las, colocá -las em perspectiva, criticá-las como incontáveis enigmas insondáveis: não perdê-las de vista, ficar de olho nelas, guardá-las.
Serge Daney, A Rampa, Cahiers du cinéma (1970-1982) Trad. Marcelo Rezende. Cosac & Naify.

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Nunca escondi de meus alunos que levei nove anos para me formar, ou seja, jubilei. O curso era de quatro anos e não consegui cumpri-lo nos outros quatro restantes.
Não irei elencar os motivos das reprovações, que seriam muitos, nem todos justificáveis. O que sei é que fui da primeira turma, a universidade não tinha quadro próprio, e tivemos professores convidados, aulas com: Luiz Carlos Estevam (USP); João Carlos Kfouri Quartim de Moraes (UFSCAR); Márcio Damin Custódio (Unicamp), entre outros…
Depois que me formei é que realmente comecei a redimensionar minha graduação; isso aconteceu ao preparar minhas aulas.

Olhando retrospectivamente, no momento em que a disciplina (que é a única que contém disciplinas – não canso de repetir isso para meus alunos dos cursos iniciais) – está em vias de sair do currículo escolar, me comove lembrar que esses anos no ensino médio, nos serviram para despertar o interesse pelas coisas do espírito, pela importância das ideias, e por nossa capacidade especulativa.
Daqui para frente, a filosofia ficará para os acadêmicos ou para os diletantes, as gerações que virão não saberão o que perderam como também não sabia nos meus anos escolares de ditadura militar. Vou sentir muita falta das exposições e diálogos que realizamos em sala… Ler filosofia solitariamente sem poder compartilhar é algo que não faz sentido, isso aprendi com meus alunos no ensino médio e não irei esquecer.

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FOTOLOGIA
tua photo de perfil no acampamento do presidente
quantas vezes relacionei meu coração ao presidente preso
quantas vezes sonhei que sua liberdade coincidiria com nosso reencontro
vê-la agora tão próxima a reivindicar essa liberdade liberdade que eu tanto desejo
mas esta evidência se torna ilusão pelo simulacro da forma de teus dedos em “v”
que banalizam tua imagem no acampamento o coração o presidente tu que tinhas a chave